sábado, 27 de setembro de 2008

O sétimo tempo anunciado

O bispo branco correu feito o vento em direção aos campos de trigo até perder o fôlego. Deixou-se tombar de todo comprimento e peso, e no chão permaneceu por horas, o rosto enfiado no pasto, como uma minhoca que procura abrigo. Na cabeça, imagens formavam-se e atropelavam-se, misturando presente e passado e possíveis pedaços de futuro, num ritmo tão desconcertante que definitivamente o desconcertou.

Perdeu a noção do tempo, a consciência do corpo, e o fio da realidade. Invadiu o absurdo com força, porque tinha medo do porvir e porque rejeitava essa habilidade de antever o logo. Desde a infância sentia assim o desajuste: era estranho além da média dos estranhos familiares. Aos sete anos pressentiu a chegada de uma nuvem de gafanhotos que devastou as lavouras da região. Aos 14, intuiu a investida de uma tribo Atrixar que matou um terço da população do vilarejo, sem poupar sequer as crianças. Mais tarde, aos 21, percebeu a estranha relação de dores agudas na cabeça, bem no centro da testa, com a proximidade da epidemia Marja, que dizimou famílias inteiras alastrada pela água que abastecia o vilarejo.

Curiosamente, assim foi, de sete em sete, encerrando e recomeçando ciclos de visões aterradoras. Escolheu a vida religiosa para se distanciar dos olhos dos outros, pois temia o poder da incompreensão e precisava encontrar a fé, ou, pelo menos, algumas respostas. Os fragmentos do tempo e de histórias desconexas jamais deixaram de perseguí-lo, mesmo perto do Deus de então, e ao fim de sete tempos certamente nova destruição viria.

Naquele mês findava o sexto ciclo. O bispo, branco, correu feito o vento em direção aos campos de trigo e, na medida em que avançava entre o verde amarelecido do campo, enveredava pelo labirinto da própria mente, forjando uma clausura particular, que o abrigaria do destino incurável, esse de ver o tempo, assim, sem freios. Sentiu a pele do rosto roçar a grama e sorriu nervosamente, pediu ao seu Deus que desse fim àquela vida torta e infeliz. E mais uma vez viu: viu o crucifixo de prata que trazia preso ao pescoço pendendo até o nível do umbigo, por dentro do hábito, ganhar um brilho incomum e erguer-se acima da sua cabeça. Viu-o reluzir e cravar fundo na ausência de cabelos, "para isso servia a calvície", pensou, "veio se armando aos poucos para receber a ponta fria e prateada que me mostraria a redenção", e sorriu.

O verde amarelecido do campo de trigo ao redor do bispo encheu-se de pingos vermelhos e guardou o santo homem durante os meses que se seguiram. Foram meses de silêncio e de esquecimento, tempo em que os pássaros de asas negras estiveram encarregados de desconstituir o corpo e as vestes. Sobrou o cordão de prata com o crucifixo da ordem entre ossos e carne decomposta. O sétimo tempo já havia começado.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Semper et ubique

Sempre e em toda parte, assim Lord Drago, integrante da Irmandade do Vento, referia-se ao Colecionador, o poderoso guardião da Ordem do Tempo, que nem os seus iniciados nem os mais infiltrados naquela sociedade secreta conheciam a verdadeira identidade... A única coisa que o cavaleiro do dragão negro sabia e tinha repassado a Prodigal era o fato de que, em caso de morte do cavaleiro, caberia ao fiel escudeiro assumir sua armadura, escudo e espada, carregando consigo o Livro do Destino, para tentar protegê-lo, ainda que com a própria vida, da cobiça do Colecionador, que desejava possuir todos os livros do mundo e dominar com isso todo o conhecimento humano em sua Biblioteca Sepulcral...

Lord Drago sabia que naquele Reino de estranhos existiam outros dois livros mágicos (dos Sonhos e dos Dias), que juntamente com o seu, o do Destino, continham em si a chave para enfrentar o temível Colecionador. Temendo por sua ruína, prevista nos dados e no livro, Drago guardara aquele oráculo num local enigmático que somente seu fiel escudeiro, se viesse a lembrar de seus ensinamentos, poderia encontrar...

Na beira do lago Azul Profundo, Prodigal pediu a Insônia que o ajudasse a retirar a pesada armadura de seu amo e Senhor. A mulher, sem dizer uma só palavra, acatou seu pedido. Os dois, com muita dificuldade, abriram uma a uma as fivelas daquela quase inexpugnável malha. A pedra preciosa, chamada o coração do dragão, ainda vertia sangue. Um pequeno mar vermelho se formou ao redor do imenso corpo sem vida. Após alguns minutos, o cadáver de Drago estava despido. Insônia aproveitou a beira do lago para lavar sua ferida.

Enquanto Prodigal desafivelava a malha nem percebera que a bela mulher tinha adentrado em um pequeno bosque ali próximo e de lá trazido ervas medicinais para fazer ungüento e cicatrizar a profunda ferida.

- Para que tanto cuidado com um corpo sem vida?, perguntou o jovem à moça dedicada.

- Semper et ubique unum ius (Sempre e em toda parte um único direito).

Envergonhado, conhecendo bem aquela língua ensinada pelo seu mestre, o escudeiro percebeu que teria muito que aprender com a vida e também com aquela mulher se quisesse se tornar um honrado cavaleiro. Tentando se redimir, trouxe a catapulta que arremessava os dois escudos de fogo, para poder carregar para dentro do bosque o corpo de seu amo e Senhor. Precisou de mais duas viradas de areia da ampulheta para que ele e a mulher cavassem uma cova funda, ao lado de uma imensa árvore, para em seu interior depositar o corpo de Drago.

Insônia trazia na cintura uma pequena bolsa enrolada, de onde tirou agulha e linha para costurar a malha do cavaleiro do dragão negro. Mexendo em seu interior, encontrou um pedaço de pergaminho, todo amassado, ensangüentado... Quando Prodigal se aproximou, a mulher alcançou-lhe o pedaço de papel, que continha um misterioso poema escrito, ao que tudo indicava, com o próprio sangue de Drago. Uma confissão? Um segredo? Que nada, quem sabe alguma mensagem cifrada indicando onde se encontrava O Livro do Destino, pensou o menino do lago tentando decifrar uma mensagem dentro de outra mais imbricada.

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3-0-T0RM3NT050-V1V3R-53M-T3-M1R4R...

domingo, 21 de setembro de 2008

Cristal e seu desejo secreto

Ao amanhecer no reino, a princesa Cristal acordara aflita e sentira uma vontade que lhe afligia há anos, ela necessitava do mar, o mar que ouvira falarem, o seu maior anseio. O reino de estranhos era banhado pelo mar em todos os lados, e a beleza que o caracterizava era singular pelas vistas perfeitas e fontes de inspiração por todos os cantos. Quando sua ama acordou pôs-se a contar-lhe que naquela noite havia sonhado com mar, que almejava senti-lo, tocá-lo e necessitava de forma absurda um contato com o maior ser que já ouvira falar... sua ama não soube como fazer, e o que fazer, restou-lhe a vontade de ajudá-la, mas mesmo assim a pobre ama não hesitou em ressaltar:

- Minha menina de ouro posso tentar, de alguma forma, mesmo que saias daqui as escondidas, mas terei de ter contigo mais tarde, pois tenho medo de confusões e o reino não anda muito calmo ultimamente. Veremos minha jovem! Veremos!

Cristal apenas sorriu, nada mais, no fundo sabia que sua ama realizaria seu desejo, mesmo que fosse as escondidas. Alguns momentos se passaram e ela já estava aflita, não sabia onde teria ido sua ama, nem a quem ela poderia contar para realizar o seu desejo, mas sentia uma forte sensação de esperança que brotava-lhe gotas de cristal nos olhos, Cristal estava emocionada com a possibilidade de sair um pouco do Castelo de Messiter e conhecer aquilo que tanto falavam e ostentavam como a maior fonte de vida do Universo... Certa vez ouvira uma história de um pescador e poeta, e que no mar perdeu a sua amada, mas que havia salvado seus escritos, ela achava linda a história, embora ao fundo fosse um pouco absurda, pois se tanto amava a mulher, o pescador de certo a salvaria e não um livro com alguns escritos...

- Minha menina!
Exclamou a ama.

- Mais tarde, mais tarde terás teu sonho realizado, vamos ao mar, mas não lhe contarei o ajudante que arrumei, pois sei que se algo acontecer ele poderá pagar muito caro, por isso ele será apenas uma sombra amiga que nos levará ao tão desejado mar de minha menina de ouro.

A princesa concordara com aquele pedido de sua ama, ela sabia que poderia confiar em seus contatos, e qualquer ajuda naquele momento seria bem vinda, pois já sentira o frio na barriga desde já.

A carruagem estava ao fundo do Castelo de Messiter, aquele horário da manhã poucos passavam por aquele local, a ama levava Cristal com cuidado e a instalava de forma confortável ao banco rodeado de véus brancos por todos os lados, assim seria impossível reconhecê-la ao sair do reino. O cocheiro avançava de pressa por entre o bosque e logo mais chegaria às dunas de areia, Cristal murmurava para sua ama o cheiro que sentira durante o caminho, o mato, as flores, o cantarolar dos quero-queros e demais sensações que só ela havia o dom de sentir, de repente deparou-se ao cheiro do mar, não lhe agradou de todo em sua primeira impressão, mas logo sentiu-se como uma descobridora dos mares, dos 7 mares. A carruagem havia parado, seu guia secreto não havia falado nada até chegar ao local mais escondido daquela imensidão litorânea:

- Chegamos minha majestade! Creio que seja de seu agrado... e estamos perto de pedras, que podes subir e sentir mais de perto a brisa do Mar, ou ainda colocar seus pés na água, apenas sentando-se a uma linda pedra ao sol!

A princesa estava sem palavras, não havia vocabulário para a descrição de tantas sensações, realizara seu desejo, sentia o cheiro do mar, tocava na água com seus pés, e ainda ganhara conchas de seu cocheiro secreto. Adorava aqueles momentos, não queria que acabasse nunca tal momento, a areia fez lembrar algo familiar que não conseguiu decifrar, a suavidade de seu toque, a água batendo em sua canela, todas sensações que mais tarde descrevera para seu escriba, já em seu aposento majestoso...

O Mar

Hoje quis sentir o mar,
Tocá-lo, pegá-lo, senti-lo,
Foi incrível! Absolutamente!
Enfim, seu cheiro em meu nariz eu pude sentir,
Seu gosto em meu hálito, e como fez palpitar meu coração,
A suavidade de sua agressividade batendo aos meus pés,
Espantei-me ao sentir o prazer das águas...
Seu perfume infinito, e sua grandeza profunda,
Suas areias, e suas conchas, sua maior vida!
Mar, imenso Mar!
Que um dia hei de te olhar!

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Mais uma carta misteriosa

Já havia se passado alguns dias desde a grande tragédia que ocorreu com Valeriano. Ele tentava retomar sua rotina normal, em sua simples e melancólica vida.
Os sonhos, os versos, os desenhos, tudo ainda estava muito vivo em sua mente. De repente escutou batidas em sua porta. Ao abrir não encontrou ninguém, apenas um pedaço de papel. Recolheu o mesmo do chão e notou que se tratava de uma carta sem assinatura, porém reconheceu o mesmo desenho que havia no bilhete encontrado dentro da capa.

Sou amiga, mas ainda não irei me revelar.
Você tem uma missão muito importante e precisa de esclarecimentos.
O trabalho que seu pai começou você terminará.
Muitas mudanças irão ocorrer neste reino e você será responsável por muitas delas. Pode se sentir sozinho, mas esteja certo que muitos dependem de você.
Algumas pessoas irão surgir em sua vida para ajudá-lo ou destruí-lo.
Vá ao bosque na próxima lua vestindo sua capa negra.
Lembre-se: nas dificuldades escondem-se as maiores alegrias.

Mais essa agora – pensou – por que tanto mistério?
Papai pelo visto foi alguém importante mesmo. Não foi a toa que o Rei mandou assassiná-lo. Farei o que for preciso para continuar o que meu pai começou, seja lá o que isso queira dizer...

domingo, 14 de setembro de 2008

O duplo eu e a longa jornada interior

Homo simplex in vitalitate, duplex in humanitate – eis o lema dos cavaleiros da Irmandade do Vento, lembrado por Prodigal ─ o menino do lago e o fiel escudeiro ─, diante do corpo sem vida de Lord Drago, seu amo e Senhor.

Nunca tivera acesso a todos os segredos de Drago, mas precisaria descobrir o paradeiro d’O Livro do Destino, para poder seguir a sina de seu portador: ser o cavaleiro do dragão negro e enfrentar os integrantes da Ordem do Tempo, que tudo sabem, tudo vêem, tudo controlam, catalogam, taxam... Enquanto a Irmandade do Vento se preocupa em descobrir o sentido da vida, contido na Árvore dos Dias, os membros da Ordem do Tempo, preocupam-se com o acúmulo de bens materiais; da reunião de tudo que é tipo de documento, texto, para confinar na sua própria Biblioteca Universal e sua visão cíclica, ciclópica... Ambos os grupos têm em um livro sua fonte de vida. Os primeiros, o do Destino; os outros, o Livro das Horas, pois tudo é calculado com precisão matemática...

Os cavaleiros do Vento são em sua maior parte desapegados dos bens, das terras, do materialismo vigente; porém, os do Tempo, tudo querem demarcar, definir, indexar, anexar, se apropriar... No Reino de estranhos ─ uma cidade-estado como outras tantas em sua época ─, oitenta por cento das terras pertencem a menos de vinte por cento das famílias. Os feudos são imensos e o Tempo naqueles redutos, incrível e paradoxalmente, parece estar encerrado numa pequena bola de cristal, como que em eterno vácuo, silencioso, sem nada ou quase mudar. Até mesmo quando dá a falsa impressão de mudar, mantém-se quase que intacto. Naquele local, dinastias se formam e se mantém no poder com o aval da Plebe Rude. Há rumores sobre a lenda de um jovem, chamado Robin Rude, em um reino distante, que rouba dos ricos para dar aos pobres.

No reino de estranhos, o velho Kassim é um dos maiores proprietários de terras emersas e submersas da região até onde o olhar perde a visão; Agnus Dei, como é conhecido o guardião do Livro dos Sete Selos ou das Horas, outro que possui pequenos reinos dentro de um reino maior, que também está contido no interior doutro e assim sucessivamente; por fim, Don Borja, um jovem e valoroso concorrente dos demais...

Prodigal, que desconhecia seu passado, veio seguindo os passos firmes e fundos do cavalo de Drago por aquela terra de areias brancas, encontrando aquele corpo imenso e sem vida na beira do lago Azul Profundo. Sozinho por breves instantes que pareceram horas, dias, não teve forças suficientes para movimentar àquela pesada armadura. Somente quando a mulher das águas, chamada Insônia, submergiu de seu mergulho noturno, foi que tudo pareceu mudar. O tempo passou a cair na imensa ampulheta das horas, e uma chuva fina, misturada com o vento, deu a ele a fantasiosa impressão de chover areia sobre ambos...

Insônia trazia na mão um cantil cheio de água para reanimar Drago, mas este não estava mais ali, sua alma dura havia partido para o grande vale das sombras, que todos irão um dia visitar. A bela mulher, então, pôs a mão esquerda sobre o ombro direito de Prodigal, que ajoelhado próximo de seu Senhor, tentava a todo custo conter uma pequena cachoeira interior, querendo desaguar. O jovem dizia dezenas de vezes para si mesmo: Escudeiros não devem fazer isso! Insônia, ajoelhada também do seu lado, como que em oração, disse apenas: O caminho de um rio ninguém pode barrar, e se assim o fizer, terá sucesso passageiro, pois um dia, é a lei da natureza, irá tudo transbordar. Não fuja da natureza, seja você mesmo e não o seu Outro.

Aquelas palavras caíram dentro do poço fundo do escudeiro, fazendo o barulho de pedras mergulhando na água, e surgindo círculos concêntricos, um após o outro... O jovem virou-se para a mulher e perguntou seu nome. Insônia respondeu de imediato com outra pergunta: De que adiantam os nomes se as palavras não dão conta dos símbolos que as coisas encerram em seu interior? O Sol poderia ser chamado de moeda de ouro e a Lua de moeda de prata e mesmo assim não deixariam de ser o que são, não concordas? A beleza e a estranheza daquela moça do lago fizeram Prodigal não saber o que responder. Se tivesse em seu poder O Livro do Destino, quem sabe, teria a resposta para tudo na vida, da mesma forma que Lord Drago tinha em sua grande jornada interior... Pelo jeito, o menino do lago, com o encanto quebrado e aparentando quase a idade que deveria ter, aprenderia muito com a natureza, antes de vestir a escura armadura de seu Senhor...

sábado, 6 de setembro de 2008

O sol irradiava um calor imenso...

O sol irradiava um calor imenso, a mãe do garoto batia sem parar na porta de seu quarto, ele acordara em um pulo, e logo chegara à mesa da cozinha, o café já estava servido e a empolgação de sua mãe tomava conta da casa, menos o seu pai, continuava com a cara de poucos amigos e parecia que havia chorado durante toda a noite. Frutas e café, o garoto sentira que as próximas semanas seriam apertadas, tomou seu café, comeu uma fruta e foi até seu quarto, ao pegar a bola de cristal viu a moça de branco dormindo, mas o mar dentro da bola estava revolto, e a moça deitada na praia parecia em um sonho tranqüilo. Saiu correndo para ver o mar, gritou lá de fora para seu pai, e disse que naquela manhã o ajudaria com a pescaria. Ele chegou correndo no barco de seu pai que aparentava não estar com muita vontade ao carregar a rede. Saíram ao mar, o garoto muito entusiasmado, e seu pai com ar carrancudo... já não eram mais visíveis ao ponto da beira da praia...

Ao início da tarde estavam de volta, o garoto aparentava estar muito feliz, e seu pai também, o barco estava transbordando de tantos peixes, o mar fora generoso naquele dia. O menino gritava estridentemente chamando sua mãe, queria contá-la que aquele dia teria um sabor especial...

O almoço fora feito a partir das tainhas pescadas, na brasa, estalavam cada gota de gordura que caía, o apetite aumentava a cada instante, todos estavam à mesa conversando, a mãe, a irmã, o cunhado e seus pais, enquanto o pequeno e seu pai preparavam o almoço e os peixes para vender na feira do reino... tainhas assadas, e a mesa se transformou em um recanto de paz e silêncio, todos se deliciavam com o peixe delicioso que o mar os presenteara.

Antes de partir para a feira, o garoto passou em seu quarto e espiou a moça de branco dentro da bola de cristal, o mar em seu interior estava calmo e ela apreciava as ondas, suspirava e irradiava um brilho quente em seus olhos, ele conversou um pouco sobre o olhar dela e avisou que voltaria mais tarde, ela sorriu e o desejou uma boa venda de peixes na feira.

Ao caminho da feira com seu pai, o menino pensou por um instante, como ela me desejou boas vendas, se não lhe contei dos peixes... na feira os clientes, apreciavam as tainhas que ali estavam expostas, muito grandes e gordas, fresquinhas com um aspecto mágico. O garoto vendia enquanto seu pai conversava com os outros feirantes, trocava peixes por outros alimentos e temperos nobres que vinham de muito, muito longe, mas que eram muito apreciados pelo rei.

A noite chegara e a feira havia terminado, eles voltavam para a casa satisfeitos, com sacos cheios de alimentos, e com os bolsos lotados de moedas reais, as moedas de ouro pesavam demais, mas seu peso não espantara tamanha alegria de toda a família na chegada, ainda estavam todos lá, combinando o casamento da filha mais velha, enquanto pai e filho descarregavam a magia que aquele sol trouxera naquele dia.