Prodigal, cansado da viagem e com fome, decide descer do cavalo.
Como Serena continuava a observá-lo de dentro da casa, o jovem retira o elmo, joga ao chão o escudo e a lança, além da espada. Desarmado, ouve a porta da casa se abrir aos poucos... Lá de dentro sai uma bela mulher de cabelos dourados e olhos brilhantes.
Prodigal, que sempre foi um jovem de poucas palavras - ainda que em seu interior corresse um rio de ideias e sonhos -, não sabia o que dizer a mulher. Nem sabia se ela o entenderia. As mulheres daquele reino de estranhos não conheciam sequer os nativos com quem conviviam, quanto mais os viajantes, que vez por outra ali apareciam.
Por baixo da armadura, o jovem usava sua roupa de serviçal, e assim ficou, para descansar do peso e deixar a alma não tão pesada e dura, escondendo aquele fardo a ele imposto pelo destino, dentro do oco de uma árvore ao lado da casa da mulher encantadora. Sabia que de dia corria perigo, mas a noite, a escuridão era sua inseparável companheira. Seu rosto e corpo, longe do Lago Azul Profundo, envelheceram anos em pouco tempo...
O fiel escudeiro, agora feito Cavaleiro do Dragão Negro por força da fatalidade, pediu para provar daquele prato na janela esfriando. Serena compreendeu bem seus gestos e cortou grossa fatia para o viajante de cabelos grisalhos. Sua fama precedia seus passos naquele reino. Ela, como a maioria da plebe, sabia de suas andanças, aumentadas pelo clero e pela nobreza.
O homem sedento pediu a mulher água para se lavar. Ouvindo de imediato palavras que não soube traduzir. Parecia para ele grego, e de fato eram, um grego antigo:
- "ΝΙΨΟΝ ΑΝΟΜΗΜΑΤΑ ΜΗ ΜΟΝΑΝ ΟΨΙΝ." (Lava também teus pecados, e não só o rosto). Serena, a mulher de cabelo de fogo, como Sol, falava várias línguas, fruto de suas andanças (Insônia, a mulher do brilho de lua, mais o latim). Naquele reino muitas línguas eram faladas, mas poucos conseguiam se fazer entender.
Quando, após ela repetir pausadamente a frase, ele lembrou-se de um verso que seu Senhor, Lord Drago, sempre recitava, antes de ler o seu Livro do Destino: “Começar já é metade de toda ação”. De fato não era poema e sim um provérbio grego.
Mesmo ele não entendo nada, Serena, por linhas tortas, percebeu aquele desencontro e soube se fazer compreender na total incompreensão daquele tempo e reino. Aquela mulher que falara pela primeira vez em grego com ele, percebendo que Prodigal não a entendia, passou então a falar em latim, e ai estabeleceram uma cordial conversa até que a lua no céu começou a surgir entre os galhos das árvores do Bosque Sem Fim.
Prodigal tinha envelhecido um pouco na viagem e o cansaço fez que o mesmo adormecesse no alpendre da casa de Serena, sendo observado por ela, até que ruídos vindos do Bosque a afugentaram para dentro de casa.
- “Que aquele que ouve, desperte de seu pesado sono” - escrito no livro Apócrifo de João -, foi o que o soldado do castelo de Messiter disse a Prodigal, com uma lança encostada em seu peito, despertando-o de supetão.
- Quem são vocês?, perguntou o escudeiro, para sua sorte, sem a armadura e com as armas recolhidas por Serena.
- Nós é que fazemos as perguntas!, exclamou em tom irritado o chefe da guarda, continuando em tom áspero -, De onde vens e para onde vais? Cadê o Cavaleiro que as pegadas do cavalo negro trouxeram a ti? Diga-me logo velho louco, antes que minha espada faça você confessar!
- Velho? Eu? - disse Prodigal, espantado. Mas ao ver seu reflexo reluzindo na armadura dos soldados caiu em si! Sua aparência era realmente de alguém muito mais velho que ele mesmo conhecera.
- Claro! Você, seu velho louco! Por acaso te consideras um garoto? Esse é de fato um velho doido, não percamos tempo com ele, homens, sigamos as marcas que levam de volta para o Bosque Sem Fim.
Quando os soldados, após revistarem a casa de Serena e nada encontrarem nem mesmo a própria, partiram a galope. E o “velho moço”, sem ver sinais de Serena, pegou a velha garrafa, em seu poder e tomou um longo gole pra matar a secura que se fez dentro dele. Em seguida, continuou deitado ao chão por alguns momentos, recuperando-se do incrível cansaço que sobre ele pairou! Quando de repente um soldado retornou para averiguar a situação e supreendeu-se com o que viu.
- Ei, garoto! Onde está o velho louco que acabamos de deixar aqui? É seu parente?
Numa incrível rapidez de raciocínio, o escudeiro disse que sim, que era seu pai, e que tinha também entrado no Bosque e deveria estar perdido, pois de fato era um louco.
- Você é muito parecido com ele mesmo! Incrível semelhança, apesar da diferença de idade. E dito isso, o soldado de espada em punho virou-se e desapareceu em seguida dentro do Bosque...
Sem Serena, que desaparecera por encanto, e com a noite já cobrindo aquele local, Prodigal passou a entender melhor a magia d' O Lago Azul Profundo, que o fazia jovem próximo, e velho quando distante. Sorte a sua que ainda tinha mais alguns goles d'água da misteriosa garrafa, que armazenou por muito tempo o papiro contendo o Livro do Destino, que estava agora guardado no interior da armadura... O homem, despido dela era frágil; dentro dela sua alma era dura, sua coragem imensa, não tinha limites para o seu destemor.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
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Um comentário:
oi, turma RPG. Deixei um posto no xadrez literário sobre o RPG. Se der, passem lá e comentem. Um abraço a todos! Zé.
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