Tarde cinza e o Rei Branco contemplava os bicos lustrados das botas e deixava solto o pensamento:
- Malditos, miseráveis, bichos pestilentos! Não sei quais as razões de tão profunda repugnância, de tanto nojo. O meu lugar nobre, imenso por si, parece pouco diante desse sentimento atroz que nutro pelos inferiores, mas confesso a mim que esse desprezo me alegra. O poder. O poder. O poder é a minha varinha de condão: não há pagamento de impostos? Masmorra! Não louvou meu Deus-pai-todo-poderoso? Forca em praça pública para dar o bom exemplo! Não rendeu-se aos meus apelos de macho e de superior? Tortura! Cortem as unhas a facão, arranquem os cabelos aos puxões, quebrem os dedos com quilos de chumbo e façam engolir os cacos de vidro enquanto ainda houver voz audível! Porque eu sou a lei e obedeço a vontade do Supremo-pai-celestial, que me investiu de realeza e de inteligência e de..
- Irmão! Amado, irmão! Vi com a clareza do espelho dágua que cobre o rio, Grande, que nos abastece, ó rei, vi nuvens densas e negras, negras e sangue, negras e dor e destempero, ó rei. Eu vi e desejaria mil vezes não ter esses olhos íntimos de ver o invisível e não saber dessa terrível desgraça que já se aproxima de vossa cabeça, ó rei, ó rei!! Como sou infeliz!
- Do que falas, homem de Deus? Tua clausura e teus delírios de orações te moeram os miolos? Nunca houve majestade mais próspera na história desse reino de estranhos, a Dinastia perpetua-se há vários ciclos e não dá mostras de fraqueza. As lavouras tiveram menor rendimento, é verdade, mas os camponeses não furtam sequer um décimo da produção das minhas terras, o gado pode ter emagrecido, mas o leite produzido sobre o meu chão ainda retorna, gota por gota, aos meus cofres, e não há homem nobre o suficiente para fazer-me qualquer tímida oposição. Do que, então, falas, homem de Deus, feito burro aos relinchos?
- Ó rei, é dos céus e das entranhas do povo que a desgraça ameaça abater-se sobre vós. Da magia, dos feitiços milenares dessas bruxas e magos primitivos. Dessas danças demoníacas, dessa música infernal e do fogo vem vossa derrota. Eu vi. Primeiro irás perder todas as riquezas da matéria, o trigo, o boi, a moeda... Depois, os nobres abaixo de vós irão virar as costas e sumir no espectro de vossa confiança. Então a revolta inflamará a plebe, e uma onda de rebeldia incendiará vosso reino, ó rei, é desesperador, mas o pior ainda não é isso! Não é isso... O pior, ó, amado irmão, meu rei, o pior virá quando estiveres só e juntando os pedaços do orgulho real.
Nesse dia derradeiro ouvirás uma voz branca legítima vestida de negro. Do sussurro aos berros essa voz revelará fraquezas impensadas... e depois, e depois, e depois, ó, é terrível!
- Dize, infeliz, que já nem sei se sofro ou se rio do teu pavor...
- Depois a loucura, meu irmão, essa cobra verde-escura, a insanidade vai corroer o trono, o manto, o sangue e o pensamento e nada mais te sobrará. Implorarás a chegada da morte redentora, tamanho o sofrimento que vos irá dilacerar!
Contam que o bispo, branco, correu feito o vento para fora das dependências do Castelo de Messiter, enveredou pelos campos de trigo gritando "É terrível! Ó Deus! O rei está morto" e por algum tempo não foi visto por aquelas bandas.
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
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3 comentários:
Oi, Déia. Beleza esse teu post, abrindo horizontes... Não pude fazer contato c/jornal. Pra variar, trabalhei 3 turnos, e não foi possível. Amanhã vou tentar contato. Hoje estamos completando o 2º mês de postagens. Parabéns ao RPG. Abraços a turma. Zé.
Muito bom Déia!!
Parabéns pro RPG!!!
Beijokas a todos!
Olha só a Déia categoria hein!!!!
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