domingo, 14 de setembro de 2008

O duplo eu e a longa jornada interior

Homo simplex in vitalitate, duplex in humanitate – eis o lema dos cavaleiros da Irmandade do Vento, lembrado por Prodigal ─ o menino do lago e o fiel escudeiro ─, diante do corpo sem vida de Lord Drago, seu amo e Senhor.

Nunca tivera acesso a todos os segredos de Drago, mas precisaria descobrir o paradeiro d’O Livro do Destino, para poder seguir a sina de seu portador: ser o cavaleiro do dragão negro e enfrentar os integrantes da Ordem do Tempo, que tudo sabem, tudo vêem, tudo controlam, catalogam, taxam... Enquanto a Irmandade do Vento se preocupa em descobrir o sentido da vida, contido na Árvore dos Dias, os membros da Ordem do Tempo, preocupam-se com o acúmulo de bens materiais; da reunião de tudo que é tipo de documento, texto, para confinar na sua própria Biblioteca Universal e sua visão cíclica, ciclópica... Ambos os grupos têm em um livro sua fonte de vida. Os primeiros, o do Destino; os outros, o Livro das Horas, pois tudo é calculado com precisão matemática...

Os cavaleiros do Vento são em sua maior parte desapegados dos bens, das terras, do materialismo vigente; porém, os do Tempo, tudo querem demarcar, definir, indexar, anexar, se apropriar... No Reino de estranhos ─ uma cidade-estado como outras tantas em sua época ─, oitenta por cento das terras pertencem a menos de vinte por cento das famílias. Os feudos são imensos e o Tempo naqueles redutos, incrível e paradoxalmente, parece estar encerrado numa pequena bola de cristal, como que em eterno vácuo, silencioso, sem nada ou quase mudar. Até mesmo quando dá a falsa impressão de mudar, mantém-se quase que intacto. Naquele local, dinastias se formam e se mantém no poder com o aval da Plebe Rude. Há rumores sobre a lenda de um jovem, chamado Robin Rude, em um reino distante, que rouba dos ricos para dar aos pobres.

No reino de estranhos, o velho Kassim é um dos maiores proprietários de terras emersas e submersas da região até onde o olhar perde a visão; Agnus Dei, como é conhecido o guardião do Livro dos Sete Selos ou das Horas, outro que possui pequenos reinos dentro de um reino maior, que também está contido no interior doutro e assim sucessivamente; por fim, Don Borja, um jovem e valoroso concorrente dos demais...

Prodigal, que desconhecia seu passado, veio seguindo os passos firmes e fundos do cavalo de Drago por aquela terra de areias brancas, encontrando aquele corpo imenso e sem vida na beira do lago Azul Profundo. Sozinho por breves instantes que pareceram horas, dias, não teve forças suficientes para movimentar àquela pesada armadura. Somente quando a mulher das águas, chamada Insônia, submergiu de seu mergulho noturno, foi que tudo pareceu mudar. O tempo passou a cair na imensa ampulheta das horas, e uma chuva fina, misturada com o vento, deu a ele a fantasiosa impressão de chover areia sobre ambos...

Insônia trazia na mão um cantil cheio de água para reanimar Drago, mas este não estava mais ali, sua alma dura havia partido para o grande vale das sombras, que todos irão um dia visitar. A bela mulher, então, pôs a mão esquerda sobre o ombro direito de Prodigal, que ajoelhado próximo de seu Senhor, tentava a todo custo conter uma pequena cachoeira interior, querendo desaguar. O jovem dizia dezenas de vezes para si mesmo: Escudeiros não devem fazer isso! Insônia, ajoelhada também do seu lado, como que em oração, disse apenas: O caminho de um rio ninguém pode barrar, e se assim o fizer, terá sucesso passageiro, pois um dia, é a lei da natureza, irá tudo transbordar. Não fuja da natureza, seja você mesmo e não o seu Outro.

Aquelas palavras caíram dentro do poço fundo do escudeiro, fazendo o barulho de pedras mergulhando na água, e surgindo círculos concêntricos, um após o outro... O jovem virou-se para a mulher e perguntou seu nome. Insônia respondeu de imediato com outra pergunta: De que adiantam os nomes se as palavras não dão conta dos símbolos que as coisas encerram em seu interior? O Sol poderia ser chamado de moeda de ouro e a Lua de moeda de prata e mesmo assim não deixariam de ser o que são, não concordas? A beleza e a estranheza daquela moça do lago fizeram Prodigal não saber o que responder. Se tivesse em seu poder O Livro do Destino, quem sabe, teria a resposta para tudo na vida, da mesma forma que Lord Drago tinha em sua grande jornada interior... Pelo jeito, o menino do lago, com o encanto quebrado e aparentando quase a idade que deveria ter, aprenderia muito com a natureza, antes de vestir a escura armadura de seu Senhor...

4 comentários:

José Antonio Klaes Roig disse...

Oi, pessoal. Tive uma semana fora, a trabalho, e como dentro da sistemática do blog RPG deixamos livre as postagens, conforme a produção e ritmo de cada um, resolvi, na volta postar algo, já que este é o 25º post nosso, e no 16º também foi meu, só faltou o 7º para eu estar publicando e seguindo a minha questão com o 7, qdo ora ele me escolhe, ora eu o escolho. Hehehehehehe. Até a próxima 34ª postagem. Claro, antes disso, espero publicar tb. kkkkk E que os dados voltem a rolar no RPG!!! Abraços a todos! Zé.

Andréia Pires disse...

ainda bem que teve postagem nova! eu volto no 29º. Escolhi o nove... :p

Ana Matias disse...

O bom foi ver que a viagem valeu a pena e trouxe nosso iluste escritor com uma produção fora de série! Muito bom Zé, foi um prazer me deliciar com este post, e espero ver o Velho Kassin mais vezes neste reino de estranhos!! =D
Abraço e até o próximo post!

Déia, que escolhestes o 9 te vejo no 27° então! =D
=D

José Antonio Klaes Roig disse...

Oi, gurias. Pois é, a viagem me serviu de inspiração mesmo. Tanto na questão tecno-educacional, como na artística e cultural. Já tinha comentado acho que com a Ana, que é bom às vezes a gente maturar a idéia do post, pois entre a idéia inicial e o período que se publica no blog, muitas coisas vão surgindo, leituras sendo feitas, influências de livros, músicas, conversas, enfim, toda uma intertextualidade que acaba numa hipertextualidade. Na segunda a gente se fala on-line. Hoje estou só de passagem, tentando organizar as coisas pra o início da semana, que terá muita coisa pela frente. Um abração. Zé