domingo, 5 de outubro de 2008

O lago Azul Profundo


Após enterrar o corpo de Drago, ao lado da mais frondosa árvore do bosque, e com a sua malha lavada e costurada por Insônia, cabia a Prodigal seguir a sina do cavaleiro do dragão negro, primeiramente achando o Livro do Destino (pelo seu senhor sempre escondido antes de cada batalha) e depois escolhendo um fiel escudeiro para que a sua jornada continuasse. Mas quem escolher, se ele estava sozinho naquele mundo de estranhos?

Sem dizer uma só palavra, Insônia - que não lia pensamentos, mas entendia os olhares das pessoas e seus sentimentos -, disse ao jovem:

- Tu primum exhibe te bonum, et sic quaere alterum similem tui. [Publílio Siro] (Primeiro mostra que és bom, e assim procura outro semelhante a ti). Tudo tem o seu devido tempo.

- Você poderia acompanhar-me nessa viagem, ser minha escudeira? – retrucou o jovem, em forma de pergunta a mulher, que fazendo uma pausa, disse:

- Tui cum sitiant, ne agros alienos riga.[Publílio Siro] (Enquanto os teus campos têm sede, não vás regar os alheios). Primeiro, precisas decifrar teu enigma interior, para depois partir em uma jornada. Precisas descobrir o livro da tua existência, antes de querer mudar o mundo... O teu mundo começa e termina em ti mesmo...

Prodigal então, relendo diversas vezes o enigmático poema deixado por Drago, percebeu que o cavaleiro deveria ter escondido o livro num local ermo, de difícil acesso, entre o sono e o sonho profundo, como falavam os versos... Se ao céu ele não poderia alcançar, ao sono profundo de um lago, quem sabe ele pudesse chegar. Se Drago se arrastara, ferido de morte, até a beira daquele lago Azul Profundo, provavelmente em seu leito fundo ele tenha sepultado o Livro do Destino, para que seu fiel escudeiro, quando preciso fosse, o achasse...

Depois de contar a Insônia seu intento, de ir ao fundo do lago, Prodigal escutou daquela espécie de deusa das águas, em forma de mulher de areia, uma curiosa sentença:

- Tracta ante factum, quia post factum sera retractatio est. [S.Bernardo, De Consideratione 4.11.1] (Examina antes de fazer, porque depois de feito é tardio o arrependimento). Se é isso que desejas, contigo estarei.

- Não há do que se arrepender, mulher. O único arrependimento é o de não viver a vida ao seu momento. Ajude-me a ir até o fundo do lago, do qual, parece-me que você sabe todos os segredos e encantos para guiar-me aos meus medos mais secretos... E eu te recompensarei com minha eterna lealdade.

- Tranquillas etiam naufragus horret aquas. [Ovídio, Ex Ponto 2.7.8] (O náufrago tem medo até das águas calmas). Mas enfrentar o medo é a maior prova de coragem!

- Entendo o que dizes, Insônia. Minha vida é um eterno naufrágio. Estou sempre à deriva. Não consigo ler a rosa-dos-ventos, e isso que sou agora um cavaleiro da Ordem do Vento. Mas se você vier comigo não estarei mais só.

- Tranquillo quilibet gubernator est. [Sêneca, Epistulae Morales 85.34] (Com mar calmo qualquer um é piloto). Aproveite, então, o lago sem ondas, pois quando for preciso adentrares ao mar revolto, precisarás estar pronto para enfrentar a tudo e a todos: dos golfinhos aos tubarões, e saber distinguir de longe, uns dos outros.

- Certamente. A vida é para os que sabem contornar o Cabo das Tormentas e descobrir um Novo Mundo, que dizem existir n’algum lugar distante ou em si mesmo. Então, auxilie-me a chegar ao fundo do lago e de lá trazer comigo são e salvo o Livro do Destino para que eu possa seguir em minha missão.

- Traditio nihil amplius transferre debet vel potest, ad eum qui accipit, quam est apud eum qui tradit. [Digesta 41.1.20] (A transmissão não deve nem pode transferir ao que recebe mais do que está com o que transmite). Mas fiques tranqüilo, acompanhar-te-ei os passos e as braçadas sempre, da mesma forma que a lua no céu segue aos homens pela noite funda...

E dito isso, a mão direita da mulher pegou a mão esquerda do impetuoso jovem, conduzindo-o apressadamente à beira do lago, antes do raiar do sol. O eclipse da lua estava por terminar quando eles mergulharam profundamente nas águas calmas, afundando num estado de quase sonho e sono fecundo, profundo, indo até o mais fundo de seus redemoinhos interiores. A água era doce, clara e morna como um sonho. Lá embaixo a paz reinava, bem diverso de à tona. Os dois sempre de mãos dadas foram se aprofundando no lago calmamente. Havia uma harmonia incrível entre ambos, a água fluía por seus poros, e o tempo não era percebido ao seu redor. Com a respiração presa, e o coração disparado, foram indo e indo mais fundo.

Mais adiante, quando Prodigal viu uma reluzente garrafa submersa, presa entre corais, pensou: eis o sinal! Insônia fez-lhe um gesto com a mão: vai! E o jovem abriu bem os braços e mergulhou mais fundo, ajoelhando-se em frente a misteriosa garrafa prateada. O que teria em seu interior? Seria o Livro do Destino, em forma de papiro enrolado? Teria algo mais. Estaria vazia ou seu conteúdo deteriorado? Mil e uma possibilidades lhe passaram pela mente, já não conseguindo mais prender a respiração... Fez muita força até que a garrafa desprendeu-se dos estranhos corais. Quase perdendo os sentidos, virou-se procurando Insônia para pedir-lhe ajuda, mas não a encontrou mais. A sua sereia havia desaparecido no lago azul profundo ou teria emergido na praia? Tomado de pânico, com medo de se afogar, voltou à tona, e lá não encontrou mais sequer as pegadas na areia daquela misteriosa mulher. Desaparecera no ar ou na água? O vento teria apagado sua visita? Lembrou-se apenas de suas últimas palavras, quando Insônia deixou subentendido que estaria ao seu lado ao anoitecer... Sem fôlego, com a garrafa nas mãos, caiu exausto à beira do lago, em um sono profundo, em busca de respostas para as perguntas cada vez mais complexas...

Em sonho, reencontrou Insônia, sempre bela, com vestes reluzentes, que lhe dissera pausadamente:

- Tu si hic sis, aliter sentias. [Terêncio, Andria 310] (Se estivesses no meu lugar, pensarias diferente).

Naquele instante, Prodigal acordou sobressaltado, sem saber quanto tempo passara ─ afinal, naquele Reino de estranhos o tempo parecia como que aprisionado em uma imensa bola de cristal...

Observação: Imagem acima, extraída da internet, do endereço abaixo
http://www.nooneelse.blogger.com.br/arvores%20azuis.jpg

3 comentários:

José Antonio Klaes Roig disse...

Oi, turma RPG, como semana que vem estarei fora, novamente em curso, e como já passou uma semana da última postagem, os dados me escalaram... Fico no aguardo dos demais... Que os dados e não os dardos façam o RPG Literário seguir adiante. Um abraço, e até a volta... Zé.

José Antonio Klaes Roig disse...

Oi, turma RPG. Noutro dia, assisti a um jogo entre o Chelsea e o Cluj, da cidade rmena de Cluj-Napoca, que curiosamente temos visitantes em nosso blog. Hj , por curiosidad, descobri um site da referida cidade. vejam que legal. Abrs a todos! Estou na capital ds gaúchos até 5a.f. Zé
http://www.clujnapoca.ro/

Ana Matias disse...

Show de bola Zé!