Serena vivia solitária naquele local, em que o tempo parecia estar contido em uma imensa bola de cristal, como que prisioneira da própria vida, até a chegada de Prodigal... Quando o jovem ali chegou, levemente envelhecido, desde que se afastara do lago azul profundo, o sol intenso viajara com ele, por entre as árvores do bosque, até subir ao meio do céu... A visão do cavaleiro pelos aldeões, durante aquela jornada, criou o mito de sua imortalidade, já que cada escudeiro sempre assumia as vestes de seu senhor, quando de sua morte. Assim, a fama do Dragão Negro correu por toda região, junto com sua andança até chegar ao outro lado do bosque Sem Fim. Ali, sentira a sensação de que deveria ficar algum tempo mais, antes de seguir adiante. Precisava descansar, sentia muita fome e solidão.
Serena observava com receio aquele desconhecido. Tudo que a jovem aprendera na vida ─ e todos os segredos para sobreviver num mundo de estranhos ─, trazia consigo no Livro dos Desejos (ali estavam contidas também suas receitas mágicas). Tudo que sabia aprendera com a sua mãe, que passara o segredo recebido de sua avó, e assim por diante. Serena compilou no livro aquelas receitas de vida, fruto de um conhecimento milenar, restrito às mulheres do clã, pois cabia aos homens apenas guerrear e procriar. Estes eram céticos quanto aos encantos das mulheres e seus manjares. Satisfaziam-se apenas em suprir seus instintos, encher a barriga, e depois ruminar, virados pro lado... Não notavam que os pratos fortaleciam seus braços e pernas a cada véspera de batalha. Viviam como ursos, com muita força bruta e nada mais.
Naqueles tempos sombrios, as mulheres acompanhavam as fases da lua, e seus ciclos de 28 dias... Aos 16 anos de vida eram mães e aos 32, avós. E a cada mudança da Lua Prateada no céu cinzento, de minguante para crescente, de cheia para nova, algo acontecia no local onde elas estavam, tendo que partir ou se esconder até o efeito passar... Aquelas mulheres possuíam uma língua secreta, e o que falavam nenhum homem entendia. Tudo sempre subentendido, nas entrelinhas do tempo, nos olhares sem que a boca se movimentasse. Mas os “ursos”, “não queriam dar o braço a torcer”, nem confessar que não entendiam suas esposas, irmãs, filhas... Os guerreiros sabiam apenas manejar com destreza escudo e espada, mas o coração parecia de chumbo fundido. Exceto um deles, que não era daquele reino, e que fora o fiel escudeiro de um cavaleiro, herdando de seu Senhor e Mestre, além dos trajes, o próprio nome, já que tinha incrível semelhança com o nobre, que lhe criara como um pai. A convivência os deixara parecidos demais... O menino do lago não conhecia o verdadeiro pai e fora criado por duas mulheres, antes de seguir os passos de Lord Drago: Sua mãe Vida (que morrera de desgosto, sem contar o nome de seu progenitor) e sua tia Alma (que enlouquecera, também guardando pra si o perverso segredo).
Ao passar a usar roupas e nome do seu Senhor, depois de sua morte, o jovem escudeiro, sem querer, criou naquele reino a lenda do Cavaleiro Imortal, que jamais envelhecia, e que vivia de léguas em léguas a lutar por causas perdidas. Os soldados do reino, que o viram tombar na noite anterior, diante do castelo de Messiter, não encontraram seus restos mortais. A lenda assim foi tomando novo corpo...
Um dia, Prodigal sabia-o bem ─ travestido de Lord Drago e ainda sem escudeiro ─, teria que ir às redondezas do castelo, pois lá dizia o Livro do Destino, em seu poder, vivia a bela princesa Cristal, que possuía o Livro dos Sonhos. Lord Drago tinha deixado pistas de que cabia a Irmandade do Vento zelar pela preservação desse e doutros livros mágicos (Do Destino; Dos Dias...), contra a ânsia de poder da Ordem do Tempo e do Colecionador.
Quando o rapaz contornou o estranho rio que margeava o ainda mais estranho bosque, trazido pelo aroma desconhecido e sedutor, mal sabia que fora conduzido ali pelo perfume do tortei encantado. Estava ele diante da pequena casa com a janela aberta e um prato a esfriar, quando uma silhueta em seu interior parecia encará-lo com temor. Um estrondo vindo do nada, amedrontou a ambos. Logo, Prodigal percebera que era nada mais nada menos que seu estômago roncando de fome...
Serena segurava nas mãos um cajado. O cavaleiro pensou no início ser alucinação, tal a beleza da mulher, que aparentava se aproximar dos dezesseis anos, e que era tida como bruxa para uns e a fada para outros. Santo de casa realmente não fazia milagres naquele local. Mas para ele, um Cavaleiro do Vento, aquela imagem saída das sombras era mais do que uma Aparição. De imediato sentiu o peito ser transpassado como se por uma espada mágica. A mulher, que pressentia às coisas e tinha curiosas visões, sonhara na noite anterior com um escudo reluzente em forma de lua prateada, com a misteriosa inscrição Nessun Dorma...
O tempo que se arrastará até aquele local, de repente voou que nem um falcão negro atrás de uma pomba branca no céu azul profundo. Um vácuo cobriu a região e o silêncio pousou entre os dois, além de densas nuvens. Serena vendo o olhar aflito do cavaleiro, largou o cajado, oferecendo um pedaço de seu manjar ao faminto, que por conta dessa gentileza também se desarmou. Antes que a noite de Lua Nova se aproximasse, tanto Serena como Prodigal seriam reféns do olhar um do outro. E não dormiriam com medo de ao acordar tudo não passasse de um sonho, como o tortei encantado...
domingo, 30 de novembro de 2008
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3 comentários:
Oi, turma RPG, como vão todos? essa reta final de ano deixou-nos dispersos, mas o projeto RPG Literário foi uma das atividades, dentre diversas que me envolvi nesse 2008, que mais me serviu de catarse. Através da narrativa, dos cenários e personagens criados, pude exercitar alguns conceitos literários, unindo a teoria e a prática.
Aproveito então pra desejar a todos os integrantes do blog RPG, um Feliz 2009, e que possamos, renovados, retomar esse projeto ano que vem. Vejam só, estamos chegando aos 2000 acessos. Parabéns a todos, e um abraço, Zé. ;-)
Oi, turma RPG!!! Deu "Reino de estranhos", tanto na enquete do blog RPG, como na comunidade RPG do orkut. Então, que em 2009 possamos retomar essa narrativa e ilustrá-la tambem, para que esse projeto e narrativa sigam em frente, colhendo frutos do que foi plantado em 2008. Um abraço a todos! Zé.
Feliz 2009 pra ti tb Zé!
Espero que o pessoal volte a postar logo tb!!
E Viva o Reino de Estranhos!
Beijokas a todos!
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